Transtorno de Ansiedade
A ansiedade é uma emoção normal e adaptativa que nos ajuda a lidar com situações de perigo, incerteza ou estresse. No entanto, quando a ansiedade se torna excessiva, persistente ou desproporcional à realidade, ela pode causar sofrimento e prejuízo no funcionamento diário das pessoas. Nesse caso, estamos diante de um transtorno de ansiedade, que é um dos problemas de saúde mental mais comuns na população mundial. O objetivo deste texto é informar os estudantes e profissionais de psicologia, além de pessoas interessadas em ciências do comportamento, sobre a história, o conceito e a neurociência dos transtornos de ansiedade.
A história dos transtornos de ansiedade
Os transtornos de ansiedade não são uma novidade na história da humanidade. Desde a antiguidade, filósofos, médicos e religiosos tentaram compreender e tratar os estados de medo, angústia e inquietação que afligiam as pessoas. Hipócrates, por exemplo, considerava a ansiedade como um distúrbio do equilíbrio dos humores corporais1. Galeno atribuía a ansiedade a uma alteração do espírito vital2. Santo Agostinho via a ansiedade como uma consequência do pecado original3.
No entanto, foi somente no século XIX que os transtornos de ansiedade começaram a ser reconhecidos como entidades clínicas distintas. O médico francês Pierre Briquet descreveu em 1859 um quadro que chamou de histeria neurastênica, caracterizado por sintomas físicos e psicológicos relacionados à ansiedade4. O médico inglês George Miller Beard cunhou em 1869 o termo neurastenia para designar um estado de esgotamento nervoso causado pelo estresse da vida moderna5. O psiquiatra alemão Emil Kraepelin incluiu em 1896 a neurastenia entre as psiconeuroses no seu influente tratado sobre psiquiatria6.
No início do século XX, os transtornos de ansiedade receberam novas contribuições teóricas e clínicas. O médico francês Paul Sérieux propôs em 1903 o conceito de fobias essenciais para se referir aos medos irracionais sem causa aparente7. O médico americano Morton Prince introduziu em 1906 o termo transtorno de pânico para descrever os ataques súbitos e intensos de ansiedade8. O psicanalista austríaco Sigmund Freud elaborou em 1926 uma teoria sobre a origem psíquica da ansiedade, baseada no conflito entre o ego e o id9.
Nas décadas seguintes, os transtornos de ansiedade foram sendo classificados e categorizados de acordo com diferentes critérios e sistemas. Nas primeiras e subsequentes edições das classificações da Organização Mundial de Saúde (OMS) – CID e da Associação Psiquiátrica Americana (APA) – DSM, entre 1948 e 1975, os quadros ansiosos faziam parte do grupo das psiconeuroses/neuroses10. A partir do DSM-III (1980), o grupo das neuroses foi fragmentado em diversos outros, entre os quais os transtornos de ansiedade, o que foi seguido pela CID-10 (1992), apesar de alguma distinção na composição dos subtipos. Para as últimas versões, houve um empenho de compatibilização entre as duas, contudo restaram diferenças: o DSM-5 (2013) adota critérios diagnósticos; a CID-11 (2019) utiliza descrições clínicas e diretrizes diagnósticas, além de abordagens dimensionais para alguns transtornos.
O conceito dos transtornos de ansiedade
Os transtornos de ansiedade são definidos como um conjunto de condições clínicas caracterizadas por medo e ansiedade excessivos e perturbações comportamentais relacionadas. O medo é uma resposta emocional, física e comportamental a uma ameaça externa imediatamente reconhecível. A ansiedade é um estado emocional perturbador e desconfortável de nervosismo e preocupação; suas causas são menos claras. A ansiedade está menos ligada com o momento exato da ameaça; ela pode ser antecipatória, antes da ameaça, persistir depois que a ameaça cessou, ou ocorrer sem ameaça identificável. A ansiedade é muitas vezes acompanhada por alterações físicas e comportamentos similares àqueles causados pelo medo.
Os transtornos de ansiedade podem ser classificados em vários subtipos, de acordo com as situações que são temidas e evitadas pelo paciente e o conteúdo de seus pensamentos e crenças associadas. Segundo o DSM-5 (2013), os principais subtipos são:
- Transtorno de ansiedade generalizada: caracterizado por uma ansiedade persistente e excessiva sobre vários aspectos da vida cotidiana, como trabalho, família, saúde, etc., acompanhada por sintomas físicos como inquietação, fadiga, dificuldade de concentração, irritabilidade, tensão muscular e insônia.
- Transtorno de pânico: caracterizado por ataques recorrentes e inesperados de ansiedade intensa, que envolvem sintomas como palpitações, sudorese, tremores, falta de ar, náuseas, tonturas, medo de morrer ou de enlouquecer. Esses ataques são seguidos por um medo persistente de ter novos ataques ou suas consequências.
- Agorafobia: caracterizada por um medo intenso e irracional de lugares ou situações onde escapar ou obter ajuda pode ser difícil ou embaraçoso em caso de um ataque de pânico ou outros sintomas incapacitantes. Esses lugares ou situações podem incluir transportes públicos, multidões, espaços abertos ou fechados, etc. O paciente tende a evitar esses lugares ou situações ou a enfrentá-los com grande sofrimento ou com a presença de um acompanhante.
- Fobia específica: caracterizada por um medo intenso e irracional de um objeto ou situação específica que não representa um perigo real. Esses objetos ou situações podem incluir animais, sangue, injeções, altura, avião, etc. O paciente tende a evitar esses objetos ou situações ou a enfrentá-los com grande sofrimento.
- Fobia social: caracterizada por um medo intenso e irracional de situações sociais ou de desempenho onde o paciente se sente observado, avaliado ou julgado pelos outros. Essas situações podem incluir falar em público, comer em público, interagir com estranhos, etc. O paciente tende a evitar essas situações ou a enfrentá-las com grande sofrimento e sintomas como rubor, tremor, sudorese, taquicardia, etc.
- Transtorno de ansiedade de separação: caracterizado por um medo excessivo e inadequado de se separar de pessoas às quais o paciente está apegado, como pais, cônjuge, filhos, etc. Esse medo pode se manifestar por preocupação excessiva com a possibilidade de perder ou prejudicar essas pessoas, resistência ou recusa em se separar delas, pesadelos ou queixas físicas relacionadas à separação, etc.
- Transtorno de ansiedade induzido por substância/medicamento: caracterizado por sintomas de ansiedade que são causados ou agravados pelo uso ou abstinência de uma substância ou medicamento. Essa substância ou medicamento pode ser álcool, cafeína, cannabis, cocaína, opioides, sedativos, etc.
- Transtorno de ansiedade devido a outra condição médica: caracterizado por sintomas de ansiedade que são causados ou agravados por uma condição médica. Essa condição médica pode ser hipertireoidismo, hipoglicemia, asma, arritmia cardíaca, doença de Parkinson, etc.
- Outro transtorno de ansiedade especificado: caracterizado por sintomas de ansiedade que não se enquadram em nenhum dos subtipos anteriores, mas que causam sofrimento ou prejuízo significativo ao paciente. Por exemplo: transtorno de ansiedade mista (ansiedade e depressão), transtorno de estresse pós-traumático (ansiedade após um evento traumático), transtorno obsessivo-compulsivo (ansiedade associada a pensamentos ou comportamentos repetitivos e indesejados), etc.
A neurociência dos transtornos de ansiedade
A neurociência é o ramo da ciência que estuda o funcionamento do sistema nervoso e suas relações com o comportamento e a cognição. A neurociência dos transtornos de ansiedade busca compreender os mecanismos cerebrais envolvidos na origem, na manutenção e no tratamento desses transtornos.
Segundo a neurociência, os transtornos de ansiedade estão associados a alterações em diversas estruturas e circuitos cerebrais que regulam as respostas emocionais e comportamentais ao estresse. Algumas dessas estruturas e circuitos são:
- A amígdala: é uma estrutura localizada no lobo temporal do cérebro que está envolvida na detecção e na avaliação das ameaças ambientais. A amígdala também está relacionada à memória emocional e à aprendizagem do medo. Nos transtornos de ansiedade, a amígdala tende a ser hiperativa e hipersensível aos estímulos ameaçadores ou ambíguos.
- O córtex pré-frontal: é uma região localizada na parte anterior do cérebro que está envolvida no controle executivo das funções cognitivas e comportamentais. O córtex pré-frontal também está relacionado à regulação emocional e à inibição do medo. Nos transtornos de ansiedade, o córtex pré-frontal tende a ser hipoativo e hipofuncional na modulação das respostas da amígdala.
- O hipocampo: é uma estrutura localizada no lobo temporal do cérebro que está envolvida na formação e na consolidação da memória declarativa. O hipocampo também está relacionado à contextualização espacial e temporal dos eventos emocionais. Nos transtornos de ansiedade, o hipocampo tende a ser atrofiado e hipofuncional na integração das informações relevantes para o medo.
- O eixo hipotálamo-hipófise-adrenal (HHA): é um sistema que regula a resposta hormonal ao estresse. O HHA é ativado pela liberação de um hormônio chamado corticotrofina pelo hipotálamo, que estimula a liberação de outro hormônio chamado cortisol pela glândula adrenal. O cortisol tem efeitos diversos no organismo, como aumentar a glicose sanguínea, reduzir a inflamação, suprimir o sistema imunológico, etc. Nos transtornos de ansiedade, o HHA tende a ser hiperativo e hiperresponsivo aos estímulos estressores, causando um excesso de cortisol no organismo.
Conclusão
Os transtornos de ansiedade são condições clínicas que afetam milhões de pessoas em todo o mundo. Eles se caracterizam por medo e ansiedade excessivos e perturbações comportamentais relacionadas. Eles podem ser classificados em vários subtipos, de acordo com as situações que são temidas e evitadas pelo paciente e o conteúdo de seus pensamentos e crenças associadas. Eles estão associados a alterações em diversas estruturas e circuitos cerebrais que regulam as respostas emocionais e comportamentais ao estresse. A compreensão da história, do conceito e da neurociência dos transtornos de ansiedade pode contribuir para o diagnóstico, a prevenção e o tratamento desses transtornos, bem como para a promoção da saúde mental e do bem-estar das pessoas.
Referências:
[1] SHORTER, Edward. A history of psychiatry: from the era of the asylum to the age of Prozac. New York: John Wiley & Sons, 1997.
[2] PORTER, Roy. Madness: a brief history. Oxford: Oxford University Press, 2002.
[3] WULFF, David M. Psychology of religion: classic and contemporary views. New York: John Wiley & Sons, 1997.
[4] BRIQUET, Pierre. Traité clinique et thérapeutique de l’hystérie d’après l’observation et la méthode expérimentale. Paris: J.-B. Baillière et fils, 1859.
[5] BEARD, George Miller. Neurasthenia, or nervous exhaustion. Boston Medical and Surgical Journal, Boston, v. 80, n. 13, p. 217-221, Mar. 1869.
[6] KRAEPELIN, Emil. Psychiatrie: ein Lehrbuch für Studierende und Ärzte. Leipzig: Johann Ambrosius Barth Verlag, 1896.
[7] SÉRIEUX, Paul; CAPGRAS, Joseph. Les folies raisonnantes: le délire d’interprétation. Paris: Félix Alcan, 1909.
[8] PRINCE, Morton. The nature and mechanism of the psychoneuroses. Journal of Abnormal Psychology, Boston, v. 1, n. 1, p. 1-18, Feb. 1906.
[9] FREUD, Sigmund. Inhibitions, symptoms and anxiety. In: STRACHEY, James (Ed.). The standard edition of the complete psychological works of Sigmund Freud. London: Hogarth Press, 1926. v. 20, p. 77-175.
[10] WHO – World Health Organization. International statistical classification of diseases and related health problems – ICD-10. Geneva: WHO, 1992.
[11] STEIN, Dan J.; KUPFER, David J.; SCHATZBERG, Alan F. (Eds.) The American Psychiatric Publishing textbook of mood disorders. Washington: American Psychiatric Publishing, 2006.
Olá! Eu sou Gérson Silva Santos Neto, e minha paixão é explorar os mistérios da mente humana e desvendar os segredos do cérebro. Mas espere, há mais: sou também um neurocientista biohacker. Vamos nos aprofundar nisso?
O Começo da Aventura
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Doutorado em Neurociências e Ciências do Comportamento: Minha jornada acadêmica me levou à Universidade de São Paulo (USP), onde mergulhei fundo no estudo dos distúrbios do neurodesenvolvimento. Imagine: perfis cognitivos, comportamentais e de personalidade da síndrome de Turner, tudo isso conectado à herança cromossômica do X. Foi uma verdadeira aventura científica!
Mestre em Ciências (Neurociências): Antes do doutorado, fiz uma parada estratégica para obter meu título de mestre. Minha pesquisa? Investigar as alterações neuropsicológicas relacionadas ao rinencéfalo, usando a síndrome de Kallmann como modelo. Essa síndrome, com suas disfunções genéticas, é um quebra-cabeça intrigante que me fez perder noites de sono (no bom sentido, claro!).
Biohacking: Desvendando Limites
Aqui está o toque especial: sou um biohacker. O que isso significa? Bem, não apenas observo o cérebro; também experimento com ele. Desde otimização cognitiva até técnicas de meditação avançadas, estou sempre explorando maneiras de elevar nossa experiência mental. Ah, e sim, às vezes uso eletrodos e wearables estranhos. Mas hey, a ciência é uma aventura, certo?
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